sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Série travestis - enfrentando o preconceito


Bruna Torres nasceu no interior do Rio Grande do Sul. Aos 22 anos mudou-se para Porto Alegre. Tornou-se travesti aos 15 e na mesma época passou a tomar hormônios. Ao completar 18 anos começou um curso de cabeleireira, que a ajudou no que é hoje, pois trabalha em uma estética durante o dia e à noite como profissional do sexo. Além disso, ela tem um anúncio na Zero Hora dominical, através do qual atende seus clientes em um lugar próprio. Bruna possui um blog onde deposita fotos eróticas, e o nome que utiliza para exercer essa profissão é Camila Oliver.

Pararealidade: Como você descobriu que era diferente dos demais?
Foi na época de colégio, quando eu comecei a gostar de um menino. Na minha cabeça eu não tinha nada formado sobre o que era certo e o que era errado, mas eu sabia que era diferente, porque pelas conversas que eu ouvia de mãe e de parentes aquilo era estranho. Na minha rua tinha um homossexual já de mais idade e eu tinha apenas 11 para 12 anos e achava que não era errado. Na época eu já gostava de um menino do colégio.

Pararealidade: Você já sofreu abuso sexual?
Sim, duas vezes. Uma foi bem curiosa, porque aconteceu na delegacia de polícia na minha cidade natal, Rio Pardo, conhecida por todos, histórica pela famosa Sexta-feira Santa e pela igreja também. Eu fui chamada ao passar pela calçada. O cara me levou para dentro da delegacia, acho que ele não era delegado. Aí, abriu a calça e me obrigou a fazer sexo oral nele. Como eu deveria ter meus 12, 13 anos, nunca contei aquilo para ninguém. Não fiz queixa, não fiz nada porque eu nem imaginava que fosse possível. E, passado um tempo, sofri abuso mesmo: eu estava saindo do cinema e - sabe como é cidade do interior - fui cortar caminho por dentro de um campo. Aí um cara me pegou a força, me fez fazer sexo com ele a força. Foram essas as duas vezes. Isso aconteceu quando eu era adolescente, menor de idade, tudo ficou em segredo comigo. Hoje em dia isso não acontece mais. Impossível. Ninguém mais pega uma travesti a força. Eu era um adolescente, crianças correm todos os tipos de perigo, como se vê todo dia em notícias na TV e nos jornais.

Pararealidade: Como você reage quando o assunto é Aids? Você tem algum receio?
Sim. Eu venho da época em que iniciou. Quando começou, na década de 80, eu me reunia na esquina com os meus amigos gays (na época eu não era travesti ainda, eu era gay), e começamos a ouvir notícias de que em são Francisco surgia o câncer gay - era assim que chamavam. Eu presenciei todo o processo da Aids.

Pararealidade: Você já teve amigas que morreram por estar com o HIV?
Várias. Houve uma geração de travestis mais antigas e a grande maioria morreu por causa do HIV. Hoje, travestis na faixa de 40 a 50 anos são muito poucas.

Pararealidade: Os teus clientes costumam pedir o seu teste de HIV antes de fazerem o programa?
Os clientes costumam perguntar se nos cuidamos, mas sempre faço os programas usando preservativo. Faço o teste do HIV uma vez por ano, geralmente é em dezembro.

Pararealidade: Como é o dia-a-dia de uma travesti, hoje? O que poderia mudar?
O que realmente poderia mudar o nosso dia-a-dia é se houvesse mais leis que abrangessem esse tipo de público. Porque é muito fácil tu ser gay e ser lésbica. Até em salão existe o preconceito. A cliente adora ser atendida por um gay de cavanhaque, bem fresco, bem desmunhecado. Se ela chega no salão e vê uma travesti, com peito, bunda, silicone e com marquinha de biquíni, já tem problema. Se ela não é cliente, se ela é nova, muitas olham meio atravessado. Começam com muitas curiosidades em cima. Elas não se preocupam se você é boa no seu trabalho, elas se preocupam com a tua vida. Com quem tu sai, com quem tu dorme, transa, como é que tu vive, se tu operou, se tu não operou. Esse tipo de informação não chega à casa das pessoas. Quando uma novela mostra uma travesti, mostra um ator de peruca vestido de mulher, sempre caricato. Todo tipo de trabalho na TV que mostrou travestis mostrou um ator vestido de mulher, e na verdade não é isso. Eu sou assim da hora que acordo até a hora de dormir. Eu não me monto.

Pararealidade: Como você reage ao preconceito da sociedade?
A cada dia a gente mata um leão para viver. Essa é a verdade da travesti. Hoje, o preconceito da sociedade funciona assim: se eu estiver em um lugar público e sofrer preconceito, eu sei que tenho os meus direitos a procurar. Posso fazer uma ocorrência policial, posso ir ao Ministério Público, hoje em dia eu sei disso. Mas o preconceito se mostra no dia-a-dia sempre. Se alguém falar algum dia que o preconceito diminuiu, não é verdade. Existe em todo local.

Prarealidade: E você acha que daqui a dez anos isso vai melhorar?
Não, se continuar como está hoje, acredito que não. As ONGS lutam, nós nos reunimos, fazemos pontos por nossos direitos. Mas fora daquela sala as coisas não andam.

Pararealidade: Quais são seus projetos futuros?
Dentro da ONG eu participo de vários encontros regionais e nacionais. A nossa luta sempre abrange o preconceito, esse é sempre o grande problema. Seja dentro de casa, agressões por policiais... O outro grande preconceito que eu acho que se torna um pouquinho esquecido é quanto ao portador de HIV, a pessoa soropositivo tendo que viver com a Aids. Aí vem um preconceito imenso. Eu trabalho dentro de uma estética, com pessoas de classe média alta, e toda vez que se toca no assunto que o tal cabeleireiro está com HIV, aquele cabeleireiro perde a clientela. Se vê um gay ou uma travesti fazer a tua unha, já surgem as perguntas se tudo é bem esterilizado. Claro, tudo é bem limpo, mas sempre as pessoas ficam preocupadas com isso. Então, quem é soropositivo ainda sofre muito preconceito e aí está um dos nossos trabalhos: enfrentar esse tipo de preconceito.

* Foto retirada do blog pessoal de Bruna Torres.

5 comentários:

Carol disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Giovana disse...

É muito triste o preconceito! não adianta passam dias, meses e anos...parece que não evoluímos, não percebemos que somos todos humanos, independente de gosto, raça, sexualidade, o que importa é o nosso caráter, não com quem nos relacionamos...espero que isto mude algum dia, mas acho difícil, o mundo "não quer" mudar, pois não é interessante para a sociedade...triste pensar que muitas pessoas sofrem com isto!

Bruna, Ótima reportagem!!!!

Carol disse...

o preconceito existe ainda, isso é fato...mas eu continuo pensando que a geração dos nossos netos será muito menos preconceituosa e mais receptiva.

Ah, as matérias deste blog estão cada vez mais impactantes!

Dieines Fróis disse...

Concordo com a Ana em partes... sobre que o preconceito exites e também que as mensagens estão cada vez mais impactantes...mas não sei se nossos netos terão um pensamento diferente, os nossos meu e dela, quem sabe, mas as pessoas são muito preconceituosas...
E como diz a Giovana, preconceito é muito triste, muitos não evoluem, ou não querem evoluir... não sei se tem solução... se pode se dizer solução...
No caso da Bruna a entrevistada, olha tudo que ela passo, ta certo ela era menor... mas quanto tempo faz isso! E hoje ainda existe e muito...
não sei se tem muita solução! Espero e muito que eu esteja enganada, mas acho difícil.

Bruna Schuch disse...

Opa! obrigada pelos comentários e elogios ;)

Eu sou uma pessoa muito otimista. Penso que vai mudar sim. As pessoas vão viver em paz no futuro.

Amém.

*rsrsrsrsrsrsrs.

Beijos prá todos que aqui comentam.